União recolheu nos últimos cinco anos apenas 3,7% do valor das multas aplicadas

Lúcio Vaz

Os órgãos federais de regulação e fiscalização aplicam bilhões de reais em multas, mas pouco arrecadam. As agências reguladoras, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Tribunal de Contas da União (TCU), o Banco Central e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aplicaram R$ 25,8 bilhões em multas nos últimos cinco anos, mas arrecadaram apenas R$ 946 milhões, o que corresponde a 3,7% do total. O órgão que aplicou o maior volume de multas, o IBAMA (R$ 14,6 bilhões), alcançou o mais baixo percentual de arrecadação 0,6% do total, ou R$ 84 milhões.

O desempenho dos órgãos de fiscalização foi analisado pelo TCU dentro da prestação de contas do governo federal relativas a 2009. As maiores partes das multas aplicadas pelo IBAMA resultam de desmatamento na Amazônia. A baixa arrecadação é conseqüência da demora no andamento dos processos, que se arrastam por até nove anos. O resultado é um passivo de R$ 10 bilhões — o equivalente a 10 orçamentos anuais da autarquia. Os números apresentados pelo IBAMA ao Correio diferem dos dados do TCU, mas ainda sim são baixos. A arrecadação teria alcançado R$ 54 milhões no ano passado, enquanto a auditoria aponta apenas R$ 4,2 milhões até outubro. Mas as multas aplicadas em 2009 somaram R$ 2,5 bilhões.

A reportagem teve acesso à relação de autos de infração do IBAMA lavrados entre janeiro e abril deste ano — nenhum deles quitado até o momento. As multas mais caras foram aplicadas a carvoarias do Pará: Arca da Aliança Carvão Vegetal, Aguiar Carvoaria, Carvoaria Grota Preta e J.C. Varão de Carvão Vegetal. Cada uma deve R$ 50 milhões à União.

Casa de ferreiro…

O TCU não fez o dever de casa. Está entre os órgãos com piores desempenhos na arrecadação. Aplicou R$ 127 milhões em multas e conseguiu recuperar somente R$ 5,8 milhões, ou 4,6% do total. O Banco Central obteve resultados ainda mais negativos. Do total de R$ 6,5 bilhões de multas aplicadas, arrecadou apenas R$ 84 milhões, ou 1,3% do total. O BC fiscaliza as instituições financeiras e empresas de auditoria e acompanha o mercado de câmbio e os estoques e fluxos de capital com o exterior. As multas que aplicou somaram R$ 4,9 bilhões em 2005, mas houve uma queda acentuada nas autuações a partir de 2006, mantendo-se uma média de R$ 378 milhões até o ano passado.

O melhor desempenho foi da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com 82,6% de recuperação. Aplicou R$ 218 milhões em multas a arrecadou R$ 180 milhões. A Agência Nacional de Energia Elétrica arrecadou um pouco mais: R$ 193 milhões. Mas isso representa apenas 26% do total de multas aplicadas: R$ 743 milhões.

As arrecadações mais modestas pertencem à Agência Nacional de Águas (ANA), com R$ 137 mil e à Agência Nacional do Cinema (Ancine), com R$ 48 mil. Mas, enquanto a ANA obteve boa recuperação, de 75%, a Ancine viu entrar em seus cofres apenas 0,9% dos valores autuados.
Execução mais ágil

O presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Ubiratan Aguiar, faz um alerta: “Há pontos a serem atacados para que a administração pública possa ser mais ágil. O TCU procura todos os meios para dar celeridade à recuperação dos débitos. Para tanto, mantém estreito relacionamento com a Advocacia-Geral da União (AGU), órgão responsável pela execução judicial das dívidas”.

Aguiar apresenta sugestões para aprimorar a cobrança das multas impostas pelo tribunal. “No caso do TCU, entendo que a melhor solução é conferir ao tribunal a autoexecutoriedade de suas decisões. Dessa forma, assim que proferida a decisão, o tribunal poderia iniciar o procedimento para a recuperação. Para isso, há proposta de emenda constitucional do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que tramita a cinco anos no Congresso Nacional.”

O Banco Central afirma que a queda acentuada nas autuações a partir de 2006 se deve às mudanças promovidas na legislação, que alteraram a forma de cálculo das multas sobre operações de importação. Essas multas são aplicadas em caso de não pagamento de importação nos prazos determinados. Com as alterações promovidas, a sanção passou a ser de 0,5% do valor da importação em atraso, o que resultou na redução do valor das autuações.

Reestruturação

A baixa arrecadação das multas aplicadas pelo IBAMA foi revelada pelo Correio em reportagem publicada em 4 de dezembro do ano passado. O instituto informou que o passivo era de R$ 10 bilhões, mas havia uma evolução na recuperação dos recursos. Teria passado de R$ 3,2 milhões em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, a R$ 50 milhões no ano passado.

A então presidente-substituta do IBAMA, Sandra Klosovski, informou que estava ocorrendo uma reestruturação no órgão para “solucionar esse passivo e dar celeridade daqui para frente aos processos que entram. Nós tínhamos superintendências com 11 mil processos, cinco mil processos. Havia um desvio de procuradores para trabalho em área técnica. Eles deixavam de fazer o trabalho jurídico”.

A procuradora-geral do IBAMA, Andrea Vulcanis, afirmou que o decreto anterior não respondia a uma série de questões de caráter ambiental, especialmente quanto à apuração das infrações. “Nós tínhamos quatro instâncias recursais. Esses processos estavam demorando oito, nove anos para ser julgados. Depois, ainda iam à Justiça. Era um processo lento, ineficaz. Na verdade, as pessoas só pagavam as multas quando precisavam conseguir alguma licença. Era quase que um pagamento voluntário.”

Mas a procuradora não escondeu as dificuldades: “A arrecadação aumentou muito, mas ainda fica muito longe do que é lavrado pela área de fiscalização, ou seja, você apura muita infração e muito pouca gente paga. A gente agora vai ter que esperar pelo menos um ano da entrada em vigor da nova instrução para saber se houve ganho nesse tempo”. (LV)

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